domingo, 19 de novembro de 2023

A DOUTRINA DO SANTO DAIME

 

A ayahuasca, caapi ou yagé, é uma bebida enteógena1 milenar de origem Inca. Supõe-se que sua chegada à Amazônia se deu devido à invasão espanhola no continente, durante a qual alguns remanescentes incaicos teriam fugido para a Amazônia e posteriormente difundido esse conhecimento nessa região. Afirma Bolsanello: “Conta-se quem, com a invasão espanhola, o nobre Inca Ayahuasca refugia-se em Machu Pichu e o chá difunde-se no Peru, Bolívia e Acre. A bebida ayahuasca teria entrado no Brasil via migração de tribos fronteiriças” (BOLSANELLO, 1995, p.80).

A bebida é originada pela decocção de duas plantas nativas da região, o cipó (Banisteriopsis Caapi) e a folha (Psycotria Viridis). Vale salientar que algumas tribos indígenas acrescentam outras espécies desses vegetais, conforme o tipo de efeito desejado. São inúmeros os vegetais misturados na bebida das mais de 50 tribos que a consomem, tornando-se quase impossível nosso conhecimento detalhado sobre as fórmulas reais do chá feito pelos índios. (BOLSANELLO, 1995, p.22, 23).

Para essas tribos indígenas, a ayahuasca é detentora de um “saber” que é transmitido através de sua ingestão e de ritos específicos variantes de cada tribo, e é a figura do xamã que tem o papel de interpretar e desvendar os mistérios das visões proporcionadas pelo ritual e repassá-los para o restante da tribo.

Em algumas tribos, somente os xamãs podem beber a ayahuasca; em outras, o mesmo é o responsável pela iniciação dos mais novos; em algumas, o uso é coletivo a toda a tribo. A maioria das práticas ritualísticas das tribos é acompanhada de determinadas exigências que envolvem o corpo: abstinência em relações sexuais, dietas alimentares e isolamento são algumas delas. A ayahuasca para as tribos é usada para buscar curas físicas e psíquicas, como métodos de adivinhação sobre caça e até exploração de espaços geográficos com o “voo xamanico”. Além do uso da bebida feita pelos indígenas, depois de um certo tempo, essa cultura se estende ao caboclo amazônico, formando um novo grupo que irá usufruir dessas práticas. Conforme descreve Oliveira (2006, p.32):

No contato dessas tribos com as populações caboclas da Amazônia – peruana, boliviana, colombiana e brasileira – surge um “novo xamã” representado pela figura do “curandeiro” ou “vegetalista”, que iniciado por um xamã indígena, aprende o preparo do chá e utiliza-o em uma práxis mais urbana, voltada na maior parte das vezes para seu aspecto medicinal e para a comunicação com o mundo animal, vegetal e mineral.


No Brasil, essa “formação” de curandeiros acontece principalmente através da migração, no período do advento da borracha, em que várias pessoas de todo o país, principalmente nordestinos, se mudam para a região da Amazônia, dentro desse fluxo migratório, com esperança de trabalhar nos seringais. Todo esse trabalho de extração necessitava de grande mão-de-obra, contingente esse que não existia na região, fazendo assim o governo e os investidores internacionais criarem toda uma estrutura de propaganda para “recrutar” novos trabalhadores para a extração. Com a borracha se tornando matéria-prima, principalmente a partir do século XIX nos Estados Unidos e na Europa, houve financiamento por parte de grupos econômicos internacionais, investindo nas casas aviadoras de Belém e Manaus, com o intuito de recrutar mão-de-obra (D’ARAÚJO, M.C.S. 1992, p.33). Assim, criou-se uma campanha incentivada por esses órgãos para a migração desses trabalhadores, que convertia a floresta em uma espécie de eldorado amazônico, uma nova opção de vida e um novo campo a ser desbravado, tendo a atividade gumífera como a salvação dos problemas econômicos, incluindo nesse panorama no imaginário do nordestino a imagem da Amazônia como o paraíso.

Muitos desses seringueiros procuraram as práticas “vegetalistas” em busca de cura para determinados males. Segundo o antropólogo Edward MacRae (1992, p.30), “Esse xamanismo mestiço é herdeiro direto do xamanismo indígena, cujos segredos foram aprendidos pelos seringueiros, que viviam isolados da sociedade ocidental e tinham de se valer dos conhecimentos médicos dos indígenas”

A bagagem cultural e os elementos simbólicos trazidos pelo nordestino, foram impactantes para a formação de uma nova estrutura social amazonense. Sobre a importância do nordestino e sua presença na Amazônia afirma Benchimol (2009):

A multidiversidade cultural e humana da região saiu enriquecida, pois a sua presença muito contribuiu para o abrasileiramento da Amazônia, influindo profundamente nos nossos hábitos, costumes, culinária, falas, danças, canções, folclore e lendas. Contribuições essas que estão, hoje, definitivamente incorporadas e fazem parte integrante da cultura, tradição e herança regional (BENCHIMOL, 2009, p. 169).


Dessa transição do xamanismo indígena para o xamanismo mestiço (curandeiros ou vegetalistas) surge uma (re) significação do uso da ayahuasca. A bagagem cultural desses novos seringueiros incluídas dentro dessas práticas, com a introdução de elementos urbanos e ocidentais, foi um fator contribuiu para essa ressignificação. É nesse outro significado que a doutrina do Santo Daime vai se inserir. Seu fundador, Raimundo Irineu Serra, se transfere do Maranhão para o Amazonas, por volta de 1912. Nascido em 15 de dezembro de 1890, Mestre Irineu, como ficou conhecido, trabalhou na seringa da região de Xapuri e posteriormente em Brasiléia, recebendo um convite para trabalhar na Comissão de Limites, órgão que era responsável em delimitar as fronteiras do Brasil com o Peru e a Bolívia. Neste período, Irineu, pela primeira vez, tem contato com a bebida ayahuasca, sendo apresentado a ela através de Antonio Costa, um conterrâneo maranhense que o levou em uma sessão com um ayahuasqueiro conhecido como Don Crescencio Pizango.(MACRAE, 1992).

Através desse contato, começam os estudos de Irineu, Antônio e André Costa com a ayahuasca, segundo afirma MacRae (1992, p. 62):

Embora aos detalhes disponíveis sejam parcos, há indicações de que, a partir de tais experiências, os irmãos Costa abriram um centro, na década de 20, chamado Círculo de Regeneração e Fé (CRF), instalado na cidade de Brasiléia, no Acre. Do grupo participava também Raimundo Irineu Serra.


Desses estudos, segundo a crença, Irineu passa a ter contato com uma entidade feminina denominada Clara, que passa a ser sua “tutora” espiritual. Em suas aparições, Clara vai prepará-lo para uma grande missão, na qual somente ele poderá receber os ensinamentos dessa senhora, posteriormente reconhecida como Nossa Senhora da Conceição ou Rainha da Floresta. Irineu se isola na mata, passando oito dias tomando a bebida e apenas se alimentando de macaxeira insossa e chá, e não podendo ter contato com mulheres principalmente. Esse período de afastamento vai ser de grande importância, pois é durante tal isolamento que Irineu vai ter a revelação da Doutrina do Santo Daime, inclusive receber seu primeiro hino, “Lua Branca”. Quanto a essa prática da recepção dos hinos, MacRae (1992) constata:

Os hinos são versos musicados simples, considerados como “recebidos” por uma pessoa através de captação divina. Apesar de inicialmente receber chamadas, melodias sem letra que executava assobiando, depois de certo tempo Irineu começou a receber os hinos que iriam compor seu hinário, O Cruzeiro, considerado a formulação básica da Doutrina do Santo Daime. Lá são descritas as mirações de Irineu, onde estariam presentes “seres divinos” da “corte celestial”, englobando entidades cristãs, indígenas e africanas (MACRAE, 1999, p.67)


A propósito da “miração” Brissac (1999) ressalta que não seria simplesmente uma sequência de visões, mas sim uma vivência sinestésica tocante à sensibilidade dos participantes do grupo, em dimensões que ele denomina como “estéticas” e “afetivo-sentimentais”, podendo totalizar a experiência além da visão e da audição, o tato, o olfato e o paladar, causando uma impressão muito forte a vivencia.

Irineu em 1930 se muda para a zona rural Vila Ivonete, em Rio Branco, agora estabelecendo trabalhos públicos com a ayahuasca, dois anos mais tarde, dando baixa como cabo da guarda florestal, para se dedicar aos trabalhos da doutrina. Dessa ressignificação das práticas vegetalistas com a ayahuasca, vai surgir a doutrina do Santo Daime, na qual Irineu passa a ser chamado de Mestre. No período de 1931 até 1945, Mestre Irineu irá inicialmente constituir a base doutrinária do culto com a constituição dos principais rituais e símbolos da doutrina.

Mestre Irineu teria frequentado em sua terra natal os rituais de Tambor de Mina, herdeiros dos cultos de vodum, da cultura gege, e tinha uma forte influência do catolicismo popular por parte materna, além de ter sido, membro de sociedades esotéricas, como o Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, onde adquiriu conhecimentos oriundos da Europa.

Mas, somente a partir de 1946, quando a comunidade que acompanha Mestre Irineu se transfere para a colocação denominada Espalhado, que posteriormente ficará conhecida como Alto Santo, é construída uma igreja sede do culto, batizada de CICLU – Centro de Iluminação Cristã Luz Universal. A bebida passa a se chamar Daime, num rogativo de “dai-me força, dai-me amor, dai-me luz”. Nesse período de 40 anos (1931-1971), a doutrina do Santo Daime é composta em sua base doutrinária, que são os ensinos contidos nos 132 hinos do Mestre Irineu, juntamente com o hinário dos seus primeiros companheiros na doutrina, Germano Guilherme, Antônio Gomes, Maria Marques (Maria Damião) e João Pereira, todos contemporâneos de Mestre Irineu.

É importante salientar que, além do Santo Daime, existem outras correntes religiosas que fazem uso da ayahuasca. Dentre as diversas manifestações, podemos citar duas que, junto com o Santo Daime, foram as três primeiras e mais importantes a serem criadas e difundidas. É o caso do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, conhecida como Barquinha, criada pelo maranhense Daniel Pereira de Matos em junho de 1945 e a UDV – Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, criada em 22 de julho de 1961, pelo baiano José Gabriel da Costa, em Porto Velho, Rondônia. Outro fator importante é que essas três principais denominações foram criadas por nordestinos que foram trabalhar nos ciclos da borracha, dois deles nos próprios seringais e outro nos comércios que acompanhavam esse fenômeno.

Com o passar dos anos, o Santo Daime recebe um grande número de pessoas, com um caráter de doutrina curadora. Mestre Irineu acolhe pessoas, curas ali são relatadas e muitos se iniciam nos estudos espirituais, como é o caso de Sebastião Mota de Melo, Wilson Carneiro, entre outros, que relatam curas de males físicos e começam a seguir na Doutrina. Dentre os seguidores de Mestre Irineu, Sebastião Mota, posteriormente, terá um papel fundamental para a expansão do culto para o Brasil e Exterior.

Um dos principais seguidores da doutrina do Santo Daime, Sebastião Mota de Melo, nasceu em 7 de outubro de 1920, em Eirunepé, no estado de Amazonas. Desde pequeno, já tinha visões sobre a espiritualidade, segundo afirma em entrevista para Alverga (1992):

Desde a idade de oito anos, já me acontecia toda sorte de coisa! Primeiro eu comecei voando no mundo e conhecendo tudo. Meu espírito se desprendia, e eu viajava por muitos lugares e achava aquilo estranho. Mas o pessoal não dava valor aquilo não, eu as vezes ouvia muita coisa dos espíritos, o pessoal achava que era coisa de menino. Mas, quando davam fé, acontecia! (ALVERGA, 1992, p. 74).


Sebastião, por alguns anos, foi adepto do espiritismo, não institucionalmente, mas de uma forma mais cabocla, na qual exercia trabalhos de cura através de sua mediunidade junto com o espírito do Dr. José Bezerra de Menezes, realizando cirurgias espirituais. Nesse período, “trabalhava” em conjunto com o Senhor Osvaldo, caboclo que o iniciou nos estudos mediúnicos espíritas. Depois de bastante tempo “trabalhando” dentro das matas, Senhor Osvaldo lhe aconselhou a ir para a cidade e dar por encerrado seus trabalhos na mata. Sebastião se mudou do seringal Adélia com toda sua família, para uma colocação onde já havia alguns parentes de Rita Gregório de Melo, sua esposa, morando na região.

Acometido por uma doença que lhe afligia bastante, Sebastião procura por Mestre Irineu em seu centro em 1965, tendo contato com a doutrina e com sua prática de cura. Fernandes (1986) relata aquela experiência mística:

Ao tomar o daime pela primeira vez, seu espírito separou-se da matéria e ele pôde ver o próprio corpo ser operado por uma equipe médica. Seu corpo foi dissecado, chegando a desunir os ossos da carne e mostraram o esqueleto. Tiraram três bichos do ventre, semelhantes a lagartas, fecharam o corpo e depois deram a ordem de concluído. Recobrando a consciência, levantou-se do chão, sentou em um banco próximo e continuou mirando a confirmação daquela operação (FERNANDES, 1986, p.45).


Em 6 de julho de 1971, Mestre Irineu faleceu, ocasionando uma desestruturação do seu centro, o CICLU. Disputas de terras e de liderança espiritual começam a aparecer, ocasionando dissidências no culto. Dentre alguns dissidentes do centro está Sebastião Mota de Melo que, em 1974, juntamente com sua família e um grande número de pessoas deixa de frequentar o CICLU e partem para um novo local. Nesta época, Sebastião Mota de Melo já era considerado uma liderança espiritual e já considerado como um “padrinho”,2 abria trabalhos com o daime em sua casa com a permissão do Mestre Irineu, para algumas pessoas que não podiam se deslocar até o centro. Nesse momento, em suas revelações espirituais, padrinho Sebastião recebe orientações do astral3 para levantar uma nova bandeira, uma nova vertente de trabalho com o daime.

Padrinho Sebastião irá se intitular como sucessor de Mestre Irineu e fundará o CEFLURIS – Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra. Com a união de 43 famílias de seringueiros que se organizaram sob princípios comunitários, substituindo a forma privada de propriedade para a coletiva, com divisão igualitária de tudo que era produzido, tendo Padrinho Sebastião como líder, formou-se, em 1975, nos arredores de Rio Branco, Acre, uma comunidade, a Colônia Cinco Mil, em uma área de 380 hectares no total.

O culto passa a ser bem mais difundido, uma das novas abrangências que Padrinho Sebastião inclui ao culto é de expansão, mesmo que no Santo Daime não se pratique o proselitismo. Há um aumento de pessoas querendo conhecer a doutrina, principalmente pelo contexto da época vigente. Era um período de efervescência de ideais e movimentos alternativos como a contracultura, o movimento hippie, além de práticas espiritualistas, como a meditação e a expansão da consciência. Esses movimentos estavam em constante divulgação tendo alguns veículos de imprensa especializados, como revistas e jornais, que traziam informações sobre esses novos movimentos espiritualistas. Podemos citar dentre alguns periódicos a revista Planeta4 que circula no Brasil desde 1972, abordando temas como: esoterismo, ufologia, parapsicologia e meio ambiente.

Padrinho Sebastião e suas revelações espirituais acentuavam o chamado para levar a sua comunidade a procurar um local mais afastado dos centros urbanos. O desmatamento da região, o aumento de moradores nas proximidades da Colônia prejudicava a agricultura e, em 1980, a comunidade se desloca para um seringal, chamado Rio do Ouro. Nestas terras, eles trabalharam por dois anos e, mesmo sendo autorizados pelo INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, uma empresa do sul acaba contestando essas terras, afirmando serem privadas. Em 1983, a comunidade parte então a outra extensa área de terra indicada pelo INCRA, localizada nas margens do igarapé Mapiá, no município de Pauini, Amazonas.

Nesta nova peregrinação para esse local, que para Padrinho Sebastião seria o paraíso terrestre, chamando-o de “Nova Jerusalém”, sobressaem-se as características de um povo destinado que confiava no seu líder, como descreve Alverga (1984, p.225): “Com dificuldades de toda espécie, precariedade de alimentação e transporte, o grupo pioneiro começou a derrubada dos trechos destinados à vila e iniciou o traçado das estradas de seringa, demarcação das colocações e etc.” Muitas dificuldades irão surgir nessa viagem rumo a essa “Nova Jerusalém”, buscada pelo padrinho Sebastião e seu povo. Doenças como malária eram bastante frequentes, além dos riscos que uma floresta nativa pode apresentar.

Depois de toda essa peregrinação, é fundada, em 1983, a vila Céu do Mapiá, em Pauini, Amazonas. Até os dias atuais, se conserva como a matriz do que anteriormente era conhecido como CEFLURIS, atualmente ICEFLU. Das linhas dissidentes, hoje é a que concentra maior número de igrejas, espalhadas por todo o Brasil e exterior.

Todo esse fenômeno espiritual acontecendo nesse momento, assim como as primeiras reportagens sobre o tema, acabaram despertando também a curiosidade dos órgãos reguladores governamentais, principalmente por seu sacramento ser uma bebida psicoativa indígena que era qualificada de forma pejorativa, com preconceito e desconhecimento. As autoridades brasileiras da época estavam seguindo um movimento mundial iniciado nos EUA de forte repressão às drogas, tendência essa que se limitava a estudar todos os assuntos relacionados em uma ótica repressora e, no caso do daime, classificando a bebida como uma droga alucinógena. Algumas comissões de estudos foram criadas no início da década de 1980 para visitar “o povo do Daime” e sua comunidade, sendo de extrema importância as sugestões da comunidade para inserir nessa comissão historiadores, antropólogos, sociólogos, botânicos, psicólogos, não apenas profissionais relacionados a órgãos controladores e repressores, como policiais e militares.

Em 1982, a primeira comissão visitou o seringal Rio do Ouro, um dos locais em que a irmandade liderada pelo padrinho Sebastião havia se instalado, como relata Alverga (1984, p.135) 

Por volta de setembro de 1982, saiu nos jornais do Rio e de São Paulo uma pequena notícia, dando conta que o ministério da justiça nomeara uma comissão, com representantes do exército, promotoria pública e federal, com o intuito de investigar in loco o funcionamento de uma seita religiosa que fazia uso de uma bebida alucinógena, chamada Daime.


Dentre as pessoas que formavam essa comissão, estavam o Coronel Guarino, comandante do batalhão especial de fronteiras, seu assessor, Capitão Forini, o antropólogo Doutor Clodomir Monteiro e o diretor da Fundação Cultural do Estado do Acre, Doutor Jacó.

Em 1984, foi a vez de visitar a comunidade Céu do Mapiá, em Pauini, Amazonas. Ambas as comissões, em suas conclusões finais, deram ênfase na seriedade do trabalho espiritual desenvolvido nas comunidades, além da idoneidade e capacidade produtiva do grupo.

Mas é no ano de 1986 que será criada uma portaria da Divisão de Medicamentos do Ministério da Saúde que incluía os principais alcaloides contidos na bebida, a harmina e a dimetiltriptamina (DMT) como substâncias com elementos psicoativos perigosos, classificados juntamente de substâncias como o cloridrato de cocaína, heroína e outros psicotrópicos. Houve uma mobilização por parte dos grupos religiosos, pois, pela primeira vez, os grupos, de uma certa forma, estavam sendo impedidos de fazer uso da bebida em seus rituais.

Criou-se então um grupo multidisciplinar pelo CONFEN (Conselho Federal de Entorpecentes), que atestou, através de um levantamento de campo junto a diversas comunidades e centros usuários da bebida, que seu uso ritual não causaria efeitos degenerativos, tanto psíquicos, quanto sociais, retirando-a da lista de substâncias proibidas.

Buscando uma legitimação do seu uso religioso, é criado um Grupo Multidisciplinar de Trabalho sobre a Ayahuasca (GMT - Ayahuasca) do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) em 2006. Este grupo teve como objetivo contribuir para a plena implementação do que até então havia sido discutido e aprovado sobre o “uso religioso da ayahuasca”, não existindo hoje nenhum impedimento legal em relação às práticas dos cultos ou ao consumo ritual da bebida. Em 2008, é formalizado o pedido por parte de três grupos tradicionais5,fundadores das doutrinas ayahuasqueiras contemporâneas, de reconhecimento do uso religioso da Ayahuasca como patrimônio cultural do Brasil, com o número do processo 01450.008678/2008-61, aberto em 20/05/08, na Prefeitura de Rio Branco- Acre, com a justificativa que de que “as doutrinas do Daime/Vegetal, como estabelecidas por seus mestres fundadores, tornaram-se partes indissociáveis da sociedade brasileira, podendo assim receber nosso reconhecimento como patrimônio cultural do nosso país”6.



1 A palavra “enteógeno” é um neologismo derivado do inglês “entheogen”. Vem do grego “Entheos” + “Genesthe”, que significa “Deus interior” + “que gera”. O significado literal é algo como: “Que gera Deus interior”.

2 Um tutor, um guia espiritual

3 O astral, nessa tradição, equivale ao mundo espiritual, de onde viria a fonte de luz que ilumina a terra, seres superiores e seus ensinamentos.

4 Revista periódica mensal bastante conhecida com temáticas esotéricas, místicas e ufológicas. Circula no Brasil desde 1972, seu auge nesse tipo de abordagem foi na década de 70 e o início da década de 80, posteriormente passa a tratar outros assuntos como ecologia e meio ambiente. ( www.revistaplaneta.com.br )

5 Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo (CICLU- Santo Daime); Casa de Jesus – Fonte de Luz (Barquinha) e Centro Espírita Beneficente União do Vegetal – UDV.

6 http://www.bialabate.net/wp-content/uploads/2009/07/Pedido_Tombamento_Ayahuasca_IPHAN.pdf 

Nenhum comentário:

Postar um comentário